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quarta-feira, 9 de julho de 2014

SETE RAZÕES PARA A DERROTA DESASTROSA DA SELEÇÃO BRASILEIRA


SETE RAZÕES PARA A DERROTA DESASTROSA DA SELEÇÃO BRASILEIRA

Nildo Viana

Um jogo de futebol é algo que todos que assistem podem ter uma ideia geral do que ocorre. Uma grande parte dos torcedores busca compreender o que ocorre e suas razões, e para isso usam, além do que viram efetivamente nos noventa e poucos minutos, aquilo que sabem sobre esse esporte, usando as informações existentes e que chegaram ao seu conhecimento, e os comentários daqueles que supostamente entendem do assunto. Apesar de muitos perceberem que aqueles que supostamente entendem do assunto mudarem de opinião com uma grande facilidade (se o time está ganhando no primeiro tempo, os comentários apontam para estar bem, tecnicamente, jogando bem, etc., e se o jogo vira, alguns dizem que já não estava bem desde o começo...) não entendem tanto assim e misturarem argumento “técnicos” com impressões e pouco mais que isso, ainda dão crédito aos comentaristas. Esses, no entanto, geralmente ficam no nível das representações cotidianas (“senso comum”), e alguns ainda avançam num discurso técnico sem maiores elaborações.

No entanto, um jogo de futebol não é só o que ocorre no campo durante noventa e poucos minutos. Há muito mais em “jogo”, para usar um trocadilho. Há o contexto social geral, os interesses existentes, as forças e tendências extracampo. Bem como, no campo não existe apenas o jogador X, sempre o mesmo e igual, pois ele é um indivíduo como qualquer outro e pode estar bem ou mal, seja física ou psiquicamente, pode estar influenciado ou não por pressões, problemas, entre diversos outros elementos que faz a realidade existente ser praticamente infinita. No entanto, para muitos, a realidade é reduzida a noventa e poucos minutos e ações de seres reduzidos à categoria “jogador de futebol” (e não um ser humano concreto e real, com tudo que é derivado dessa condição) no contexto bastante limitado.

Esse é o mundo das aparências, que é o mundo visível e que a maioria aceita e se move nele. Mas para uma compreensão mais profunda de um jogo de futebol específico, como o de ontem, no qual a seleção brasileira de futebol, a mais tradicional do mundo, perdeu vergonhosamente para a seleção alemã por 7 a 1, esse mundo é insuficiente. Os envolvidos e outros dirão: “é inexplicável”, tal como se viu em entrevistas. Eis a “explicação”: não há explicação. Contudo, uma análise mais profunda e que tente superar as aparências, que tenha um método de análise (que, por exemplo, gera o pressuposto de que um jogo de futebol é uma totalidade envolvida em uma outra totalidade muito mais ampla), permite pelo menos ensaiar uma explicação do “inexplicável”. Eis o nosso objetivo neste texto.

O método dialético tem um pressuposto: “o concreto é o resultado de suas múltiplas determinações”, ou seja, um acontecimento real tem diversas determinações que o constituem da forma como ele ocorreu. Por isso, apontaremos sete determinações (ou “motivos”, “razões”, “causas”) para a derrota ocorrida ontem da seleção brasileira para a seleção alemã por um placar tão elevado e surpreendente. Claro está que além dessas sete existiram outras, mas essas são, a nosso ver, as mais importantes.

1º) A Seleção Brasileira Atual é Fraca

Para quem conhece minimamente a história do futebol brasileiro, que já teve grandes seleções e craques, sabe que a atual seleção brasileira não se compara com outras do passado. No fundo, a atual seleção brasileira é relativamente fraca. Os seus resultados modestos nos jogos anteriores mostraram isso. Com exceção relativa de Neymar, o nível geral dos jogadores não é nada excepcional. E a estrela dele brilha mais inclusive porque as outras brilham menos. Em outras épocas, a dele é que seria mais apagada diante de outras mais reluzentes. A seleção brasileira não tem mais num mesmo time Vavá, Pelé e Garrincha, nem mesmo Oscar, Júnior, Falcão e Zico, entre outros destaques no mesmo time. Foi na Copa de 1982 que esses últimos jogaram com habilidade, até com chapéu nos adversários. Agora é o arroz com feijão e se aparece um tomate é destaque. Neymar é o tomate da seleção brasileira. Assim, não era de se esperar que tal seleção, mediana, fosse campeã de qualquer jeito: ela teria obstáculos e adversários fortes que poderiam derrotá-la (Bélgica, Argentina, Holanda, Alemanha, etc.) e seriam nos noventa e poucos minutos (ou nos pênaltis, a partir de certo momento) é que seria decidido o resultado de cada jogo sem grande favoritismo, dependendo de várias outras determinações. No entanto, se fosse uma grande seleção como as do passado, o placar vergonhoso não teria ocorrido, e, como essas grandes seleções sofreram derrotas apesar de jogar melhor, a derrota é normal, mas dessa forma é devido a não só um conjunto de outras determinações, mas a própria fragilidade da seleção.

2º) A Seleção Brasileira estava desestabilizada emocionalmente

Um elemento que contribuiu com a derrota vergonhosa de 7x1 foi a falta de estabilidade psíquica (emocional) dos jogadores. Aqui está o ponto chave do “inexplicável” e que poucos se atentaram. Os jogadores estavam perdidos em campo. E por qual motivo? Sem dúvida, são jogadores que sabiam de seus limites e que estavam enfrentando um jogo decisivo contra o adversário mais forte que enfrentou até então. É uma copa do mundo em casa, ou seja, no próprio território brasileiro, diante de sua torcida massivamente presente nos estádios e fora deles. E isso se agravou mais ainda, pois a ausência de dois titulares promovia mais insegurança e temor diante do adversário, principalmente quando um destes é o grande destaque do time, Neymar. Um time fraco e abatido diante de uma partida decisiva e sob pressão da torcida e dos interesses em jogo (fama, sucesso, dinheiro, futuro profissional, o nome na história do futebol brasileiro, apesar de que para alguns esses ou alguns desses aspectos pesavam menos) se desestruturou psiquicamente.

Além disso, havia a situação da sociedade brasileira. Se a Copa do Mundo no Brasil fosse há 10 anos, haveria uma quase unanimidade nacional a favor da seleção e da sua realização. Além de alguns poucos alheios ao futebol, contestadores sociais mais radicais, e mais alguns, a população brasileira em peso apoiaria o evento e a seleção. Porém, não é essa a realidade brasileira atual. O Brasil está dividido. Dois elementos entram nesse processo e eles certamente influenciaram a desestabilização da seleção brasileira em campo. O primeiro remete ao processo das manifestações estudantis de maio e manifestações populares de junho do ano passado. Durante essas, não só se fortaleceu um campo dentro da população brasileira de muito maior capacidade crítica e contestadora, reforçando o que já existia antes, ampliando numericamente e qualitativamente, provocando uma politização da sociedade brasileira, em contraste com um governo que anunciou mudanças e não as realizou, ao lado de uma política repressiva que fazia aumentar o número de descontentes radicalizados. Assim, a Copa do Mundo refletiu essa divisão da sociedade brasileira, entre parte da população politizada e radicalizada e a parte conformista, bem como a governista e de apoio ao governo Dilma. Um setor dessa parte da população inclusive denunciou a corrupção e irracionalidade na construção de estádios de futebol em locais sem grandes torcidas, grande tradição no futebol e grandes times, que depois seriam abandonados, como ocorreu no caso da África do Sul, bem como a expulsão de moradores em localidades próximas, repressão, etc. Ela gerou alguns protestos e divulgou uma versão diferente dos fatos. A política de repressão preventiva contra as manifestações e prisões ilegítimas de militantes reforçou isso poucos dias antes da copa. O contexto comunicacional da sociedade brasileira, bem como mundial, mudou com a emergência e ampliação do uso da internet e redes sociais, o que beneficiou esse processo de politização da população. Agora não é apenas a versão de uma ou cinco grandes redes de televisão e as informações selecionadas por elas, agora existem diversas versões e informações circulando e diminuindo o monolitismo informacional anteriormente existente. O indivíduo descontente pode não ter outros em sua família, escola, trabalho, mas se acessar a internet, encontrará milhares como ele e poderá se comunicar, reforçar suas concepções e agir, inclusive na própria internet, provocando uma reprodução ampliada da crítica e da contestação.

Assim, havia, por detrás da Copa e do seu resultado, uma divisão na sociedade brasileira. Alguns jornalistas e jornais, tal como se viu na Folha de São Paulo poucos dias antes de iniciar a copa, tentariam minimizar isso, dizendo que quando a seleção canarinho entrasse em campo, todos os dissidentes passariam a torcer por ela e retornar a unidade perdida da “nação brasileira”. Ledo engano, embora não total. Um grande contingente da parte dissidente da população acabou aderindo ao patriotismo ou, no caso da maioria, retornando à condição de torcedor de sua seleção nacional. Outro contingente manteve-se crítico e distante. A Copa do Mundo foi politizada e por isso o que estava em jogo, além dele mesmo e de tudo que envolve o futebol enquanto esporte mercantilizado e burocratizado, era a questão política: identidade e unidade nacional, fundamental para o Governo Dilma, ou divisão e luta, importante para a população politizada mais radicalizada. No meio do campo, para usar outro trocadilho, há aqueles que ficaram “entre a cruz e a espada”.

Mas isso não ficou apenas aí, ainda havia outro elemento. Esse ano é eleitoral e será decidido nas urnas quem será o novo presidente do país, entre outros cargos importantes do ponto de vista governamental. Sendo ano eleitoral, o principal partido de “oposição”, o PSDB, resolveu aproveitar o contexto anteriormente citado (parte da população descontente e mais politizada e uma copa do mundo criticada e que poderia entrar no jogo eleitoral prejudicando o partido governista) para usar o evento visando retorno eleitoral. As vaias sofridas por Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo foi realizada principalmente por adeptos de tal posição política partidária e semelhantes (talvez com apoio de alguns descontentes ambíguos presentes), bem como campanhas pela internet e outros lugares. Nesse contexto, a Copa do Mundo ganhou também um significado eleitoral. O sucesso da seleção brasileira passou a beneficiar Dilma Rousseff e o fracasso beneficiaria o principal adversário, Aécio Neves, candidato a presidência e o voto nulo, para os setores mais radicais da população. Assim, a Copa do Mundo no Brasil envolveu uma oposição entre anticapitalistas e outros descontentes mais moderados, por um lado, e representantes do capitalismo e do governo, e, por outro, entre os adeptos do Partido da “Socialdemocracia” Brasileira e os adeptos do Partido dos “Trabalhadores”.

Neste contexto, há um aumento da pressão sobre os jogadores. Alguns podem dizer que não, mas, levando em conta que, por mais despolitizados, desinteressados de questões políticas e alheios ao mundo e à política brasileira, os jogadores tinham noção dos conflitos sociais (primeiro elemento) e dos conflitos eleitorais (segundo elemento) e viram isso nas ruas, nos protestos, nas críticas e até nas vaias na abertura da copa. Além disso, sem dúvida, o Governo Dilma se fez presente no cotidiano da seleção, e provavelmente repassando suas preocupações, valendo-se de governo preocupado e que investe em futebol e que teria que, no campo, receber a recompensa (essa seria, do ponto de vista do governo, a desforra contra dissidentes e adversários eleitorais). A pressão sobre os jogadores, neste contexto, foi maior, graças ao adicional e inesperado (há alguns anos atrás) processo de politização da sociedade brasileira e da época da Copa ser acompanhada pelo oportunismo eleitoral dos partidos de “oposição”.

3º) O Técnico falhou

É nesse contexto que aconteceu o jogo. Sem dúvida, o técnico Luiz Felipe Scolari mais do que ninguém devia saber da situação psíquica (emocional) dos jogadores e qualquer bom técnico tentaria atuar sobre isso (não sabemos se o fez e caso isso tenha ocorrida não surtiu muito efeito) e adequar o esquema tático a esta situação. Contudo, o referido técnico é famoso por sua “teimosia” e rigidez no aspecto técnico. A desestabilização dos jogadores por todo o contexto acima aludido (nacional e político, necessidade de ganhar para classificar mais intensa nesse contexto, desfalque da equipe, adversário forte, etc.), deveria ser trabalhada tanto no aspecto emocional quanto tático. E no plano tático – quando se leva em consideração o outro aspecto – seria armar o time para se defender e organizar em campo de forma a manter um empate por um tempo até os ânimos se acalmarem no decorrer jogo, explorando contra-ataques. Isso não é difícil para um técnico “retranqueiro” como Felipão e que seria algo temporário até haver uma estabilização emocional e um ritmo normal de jogo (claro que isso depende do time adversário, que se fizesse um jogo excepcional, mesmo assim poderia ocorrer o desastre, mas o time alemão, em que pese ter sido melhor e superior, só ganhou da forma como fez devido às fraquezas da seleção brasileira, mais do que sua excepcionalidade). Apesar de em certo sentido ter sido mais cauteloso e defensivo, não o fez no grau necessário para este jogo em tal contexto. Nesse sentido, o técnico foi bastante acertado ao declarar que ele era o principal responsável pela derrota vergonhosa da seleção brasileira. Claro que não foi o único, pois os elementos acima elencados estavam acima de suas possibilidades de alterar (inclusive a ausência de dois titulares, as questões políticas nacionais, etc.), embora pudesse ter agido sobre alguns aspectos e talvez influenciado no resultado que poderia ser uma derrota, mas não por um placar tão elevado. Os elementos anteriores são mais importantes do que isso e outros responsáveis (dos jogadores ao Governo Dilma que não soube agir adequadamente no aspecto político).

4º) A ausência de Neymar pesou

Sem dúvida, alguns vão pensar que foi a ausência de Neymar que possibilitou tal acontecimento. Isso é um exagero. Mas sem dúvida foi uma das determinações do resultado final e do placar diante da seleção da Alemanha. A presença de Neymar no campo teria o efeito de maior eficiência ofensiva (e maior cuidado da defesa alemã, o que interfere, por sua vez, no seu potencial ofensivo), mas mais do que isso, aumentaria a confiança, diminuiria a instabilidade emocional da seleção brasileira. Ou seja, além de sua presença no campo e no que isso alteraria efetivamente no jogo, o aspecto psíquico seria um pouco diferente.

5º) O primeiro gol aumentou a instabilidade da seleção brasileira

Além dessas determinações, também existiram outras mais imediatas, que ocorreram exclusivamente no campo de futebol durante os noventa e poucos minutos do jogo (em que pese isso não possa ser isolado do que foi colocado anteriormente e, inclusive, para ser melhor entendido, é preciso considerar as determinações anteriores). No contexto aludido da seleção brasileira (não ser uma seleção das mais fortes, instabilidade emocional, limites do técnico em atuar sobre os pontos problemáticos, ausência de dois titulares, especialmente Neymar), o gol da seleção da Alemanha aos 10/11 minutos do primeiro tempo (Thomas Müller) acabou intensificando a instabilidade dos jogadores da seleção brasileira. As falhas e fragilidades da defesa mostram isso. O segundo gol, aos 23 minutos (Miroslav Klose), acabou por concretizar o desmantelamento total da seleção brasileira e logo veio o terceiro (Toni Kross), quarto (Toni Kross), quinto (Sami Khedira), sexto (André Schürrle), sétimo (André Schürrle) e parecia que não ia acabar mais. O chamado “gol de honra” (Oscar) foi apenas a demonstração de que o time adversário já estava satisfeito e não estava interessado em se desgastar, já que teria uma decisão pela frente com um time certamente superior ao que enfrentava no momento.

6º) A seleção alemã é um adversário forte

Não se pode analisar um jogo desconsiderando um dos times, apesar dos comentaristas fazerem isso com frequência, por ficarem no nível das representações cotidianas com algumas pitadas de saber técnico. A seleção alemã, no contexto dessa copa, era um time forte e não foi sem motivo que bateu Portugal, que vinha para o torneio com boas expectativas em sua participação, por 4x0. Mas isto todos já sabiam, inclusive que era bem provável que a Alemanha ganharia o jogo. O que não era previsível era o placar elástico. Além de ser a equipe mais forte com o qual a seleção brasileira se defrontou, sua situação emocional e geral era bem diferente, disputava a copa em outro país (a obrigação de ganhar o título era muito mais do Brasil, pela sua tradição e estar em sua sede), tinha possibilidades grandes de conseguir, estava com o time completo, etc. A Alemanha fez o que tinha que fazer e foi competente em aproveitar as fragilidades do adversário e não recuar após os primeiros gols, garantindo, assim, a vitória no primeiro tempo. Claro é que, se fosse outro adversário, bem mais fraco, ou se a seleção alemã tivesse problemas semelhantes ao Brasil, o jogo teria sido muito mais equilibrado e enfadonho, como se fosse um jogo de times compostos por zumbis, lentos e desordenados. A Alemanha salvou o jogo, por mais que isso tenha sido doloroso para os brasileiros vinculados mais afetivamente e valorativamente com o futebol. “Que vença o melhor”! Foi isso que aconteceu.

7º) O imobilismo do técnico              

Outra determinação imediata foi o imobilismo do técnico brasileiro. Certamente ele já sabia do clima entre os jogadores brasileiros antes do jogo, afinal, ele mais do que ninguém devia saber e mesmo após não ter preparado antes do jogo a equipe adequadamente, ainda ficou imóvel diante da catástrofe futebolística que vai ficar na história do futebol brasileiro e sua carreira profissional. Após o primeiro gol, já era para se fazer algo, desde instruções no sentido de buscar acalmar os jogadores até reformulação tática, pois se trata de futebol e são noventa e poucos minutos, e assim como um jogador quando pega a bola deve ser rápido na decisão do que fazer (chutar para o algo, repassar para outro em melhor posição, etc.), assim deve ser o técnico. Após o segundo gol, a intervenção era mais que necessária e evidente e, embora, nessa altura do campeonato, para usar mais um trocadilho, já estava difícil conseguir algo devido à rapidez dos gols. Uma mudança após o primeiro gol, com seus possíveis efeitos, seria o ideal para evitar tantos gols, bem como depois do segundo, que talvez evitasse ficar mais de quatro ainda no primeiro tempo. Contudo, é necessário entender que talvez o técnico, apesar de não estar no jogo, também estivesse instabilizado emocionalmente e, com certeza, também sofreu impacto com um gol atrás do outro. Por mais frio e experiente que seja um técnico, nem sempre fica alheio ao processo como um todo, se bem que sua entrevista posterior revelou uma tranquilidade que milhares de outros não teriam, o que significa que não foi atingido na mesma intensidade que os jogadores, inclusive por estar “fora” do campo.

Uma síntese geral

Para encerrar esse breve artigo sobre algo que afetou milhões de pessoas no Brasil, provocou lágrimas, tristeza, revolta, é preciso compreender que o resultado vergonhoso, que foi uma derrota e desclassificação acompanhada por uma goleada histórica, é preciso entender que além das sete determinações (existiram outras, mas essas foram as principais e coincide com o número de gols, outro motivo para sua delimitação, uma metáfora metodológica) existem outras muito mais amplas e com uma história muito mais longa. Os conflitos sociais e eleitorais que atuaram no processo são muito mais profundos e revelam muito mais coisas do que o que foi colocado aqui. Uma realidade nacional marcada por falsa prosperidade propagandeada por governos e ideólogos de plantão e situação de pobreza, exploração, repressão, entre diversos outras questões e problemas sociais é que foram os responsáveis por essa situação (e isso não é responsabilidade exclusiva do Governo Dilma, pois remete a todos os governos anteriores) e da própria realidade de uma sociedade capitalista subordinada. Mas além desses elementos extrafutebolísticos, a relação entre capitalismo e futebol é outra determinação mais ampla que explica esse processo.

O processo de mercantilização do futebol gera o seu empobrecimento crescente. O que alguns chamam de “futebol-arte” foi uma das primeiras vítimas desse processo de mercantilização, no qual a habilidade é algo muito abaixo na escala das prioridades para dirigentes, jogadores, técnicos, etc., pois o retorno financeiro, o sucesso, o dinheiro, são o fundamental e o resultado final é o que garante isso. Não existe mais Garrincha e nem vai existir outro como ele. Também não existe mais Pelé. Nem mesmo Zico. O máximo que pode aparecer é um Neymar e semelhantes. A mercantilização promove o predomínio do cálculo racional, a burocratização, profissionalização e o jogo como livre processo de atividade de desenvolver habilidades é substituído pelo “futebol de resultados”. A organização do futebol brasileiro extinguiu a possibilidade de novos talentos criativos e habilidosos em grande quantidade como no passado. A burocratização e separação em séries no campeonato brasileiro, estabilizando e cristalizando os grandes clubes que recebem as maiores rendas e dinheiro do capital comunicacional (as redes de televisão que pagam direitos pela transmissão dos jogos) cria uma consolidação financeira e hierarquia no futebol que tornam difícil o aparecimento de surpresas e novas revelações num país que sempre teve isso por ser continental, ter grande população aliado a uma grande paixão por esse esporte, que gera milhares de aspirantes a jogador e craque. Isso, somado com o futebol de resultados produzidos pelo dinheiro e interesses envolvidos, gera uma deterioração no seu desenvolvimento, menos revelações, menos craques, menos habilidade, menos garra, menos futebol em si e mais performance e aparência (desde Kaká e seu penteado até Neymar, o garoto-propaganda, bem diferentes dos grandes nomes do passado que não recebiam milhões, mas jogavam com um compromisso muito mais profundo que apenas o “vil metal”). Afinal de contas, é essa determinação mais ampla que explica a primeira que foi aqui discutida, ou seja, o fato da seleção brasileira atual ser fraca.

Nesse contexto, o que restou para a população brasileira, especialmente a que ficou decepcionada e triste com os sete gols dos alemães? Restou superar a ilusão futebolística e voltar à vida cotidiana de trabalho, precariedade, conflitos, transporte deficiente, educação sucateada, serviços de saúde deteriorados, problemas os mais variados. O presente texto tentou tomar um acontecimento da vida cotidiana, o resultado de um jogo de futebol (e poderia ser feito com qualquer outro jogo, desde que tendo informações suficientes para tal) e explicá-lo dialeticamente. Contudo, não é só este jogo de futebol específico que manifesta múltiplas determinações e relações com o capitalismo subordinado brasileiro e tudo o mais que ocorre na totalidade de nossa sociedade, pois todo o resto está perpassado por isso e merece reflexão para o seu entendimento, tal como até mesmo a tristeza por tal derrota (o que gera este sentimento em tantas pessoas? Quais são suas determinações?), o que gera um trabalho que as pessoas não gostam, mas se submetem (e quando podem fugir, o fazem, inclusive se refugiando no futebol), um estudo numa escola que é considerado desagradável, entre milhões de outros exemplos da vida cotidiana e que não estão isolados? Essa reflexão é fundamental e remete ao conjunto da sociedade capitalista.

O que é necessário é dar continuidade ao processo de politização da população brasileira que se aprofundou ano passado e que as classes exploradas, o proletariado, o lumpemproletariado, o campesinato, os subalternos em geral, bem como aqueles que também sabem que por melhor que seja sua situação social (salarial, status, etc.), também não estão no melhor dos mundos possíveis e que o barco está furado e, portanto é fundamental avançar, agir, constituir novas relações sociais, através de luta contra uma sociedade concentracionária e formação de uma nova sociedade, na qual quando houver futebol, será o prazer da habilidade e esforço físico de um jogador e não de um mero espectador e isso como algo generalizado, no trabalho, estudo, arte, etc., num processo de instauração da autogestão social, “uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos” (Marx).

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3 comentários:

  1. Muito bom o texto! Saudades do futebol mais técnico e habilidoso. Poucas seleções ainda conseguem desempenhar um futebol próximo daquilo que os saudosos comentaristas chamariam de "futebol arte", pois como você mesmo aponta, o futebol está caminhando para se tornar um esporte cada vez mais burocratizado, o que é uma influência de determinações da nossa sociedade capitalista.
    Poucos jogadores, técnicos e profissionais da área futebolística são politizados o suficiente para lutarem por uma transformação radical do futebol brasileiro, e claro, a nossa entidade que administra o nosso esporte é extremamente corrupta, corroborando para a precariedade do campeonato, times etc. Eu apontaria essa como uma das determinações também para se dizer como a seleção brasileira decresceu tanto de nível da década de 80 para cá.

    É uma pena!

    Falta corrigir o nome do novo jogador do São Paulo, Kaká.

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    1. Sem dúvida, Felipe, essa é a triste realidade pela qual temos que lutar para transformar. A corrupção que acompanha a história do futebol realmente é ao mesmo tempo um produto dessa mercantilização e outra determinação do atual baixo nível do futebol. Grato pelas observações e o nome do jogador foi corrigido. Abraços!

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  2. futebol arte acabou. hoje temos o futebol empresarial. a nossa dramática realidade social,que temos que erradicar radicalmente,através de um grande movimento de massas. valeu.

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